Estabelecer limites e lidar com a frustração

Estabelecer limites e lidar com a frustração

Talvez nem todos se identifiquem… mas quantos de nós, cansados, com pouca paciência, damos por nós, ao fim do dia, a ceder frequentemente para não entrar em conflitos, para não nos chatearmos, para não os ouvirmos chorar e podermos dormir; ou quantos de nós começamos a ceder logo de manhã para não começar mal o dia. Enfim, é natural, todos o fazemos, mais ou menos vezes, com mais ou menos consciência de que o estamos a fazer, com mais ou menos preocupação em relação a isso. De facto, ter muito claro as regras e limites que queremos estabelecer e conseguir ser consistentes e firmes em relação aos mesmos é difícil, dá trabalho, é cansativo, implica muita repetição e muita paciência. Se é necessário ter limites e regras? É. Não só porque vivemos em sociedade, em família, em grupos, com dinâmicas próprias, mas também porque as regras e limites têm uma função, não só de adaptabilidade social, mas de estruturação pessoal. Dão segurança e controlo à crianças, tornam o dia a dia e os vários contextos mais previsíveis, e permitem que a criança se adapte melhor aos mesmos, que tenha melhores relações com os outros e que se sinta mais tranquila e segura. Os limites são fundamentais para a regulação da criança, para que saiba distinguir o certo do errado, para que saiba até onde pode ir, para que saiba lidar com as contrariedades e limites do mundo em que vive, e lidar com a frustração. Cada família tem as suas próprias regras e limites. Importante é encontrar o equilíbrio e não ir aos extremos - a permissividade e o autoritarismo. Quem manda em casa são os pais, mas não têm de ser autoritários ou rígidos e muito menos esperar obediência cega dos seus filhos; a criança deve ser tratada com respeito, pode e deve ser ouvida, deve ter autonomia e participar da tomada de decisões, mas dentro do que é adequado para sua idade. Podemos sempre optar por um estilo mais permissivo, sem regras nem limites, mas este também pode levar a uma desorganização interna, impulsividade e descontrolo, problemas de comportamento, birras frequentes, baixa tolerância à frustração, baixa auto-estima, entre outros… é mais provável encontrar crianças com comportamentos menos adequados quando não existem regras e limites claramente definidos.

Amar e estabelecer limites são das funções mais importantes dos pais. Os adultos impõem as regras e limites e as crianças desafiam, testam e opõem-se. São expressões naturais e saudáveis da necessidade de independência, autonomia e afirmação. É natural, e o teste será maior quanto mais inconsistentes e menos claras forem as regras e limites. É natural que fiquem frustradas, chateadas por encontrarem limites e regras, por não terem tudo o que querem, quando querem, mas na verdade faz parte… Não temos de evitar a frustração, pelo contrário, é importante aprender a sentir e a lidar com a frustração na infância ou mais tarde pode ser bem mais difícil e insuportável e acabar por ter impacto nas relações com os outros, na escola, no trabalho, etc.

Como impor regras e limites de forma mais adequada?

  • Em primeiro lugar pode ser interessante refletir sobre: Quais são as regras que quero impor? Que limites quero estabelecer? Porque tenho dificuldade em impor regras e limites? Tenho receio que o meu filho deixe de gostar de mim, de o desapontar, de passar vergonhas em público, de incomodar os vizinhos, de o castrar e de lhe retirar a liberdade…?
  • Depois é importante refletir se as regras e limites são adequados ao nível do desenvolvimento da criança. Estarei a exigir demais? Ou de menos?
  • Impor limites e regras é algo que deve ser feito com afeto, no contexto de uma relação segura. Nunca retirar afeto nem ameaçar a retirada do mesmo (ex. “se te portas mal não gosto mais de ti!”).
  • É importante orientar a criança, dizer o que pode fazer para além do que não pode fazer (ex. “quando estás zangada podes apertar uma almofada com força”, “agora não podes ver televisão, mas podemos fazer um puzzle”)
  • Relembrar as regras em determinadas situações pode ajudar a prevenir alguns comportamentos (ex. “vamos passear ao jardim, já sabes que antes de atravessar a estrada temos de ver se o sinal está verde e olhar para os dois lados”).
  • Procure estar tempo de qualidade com a criança, dar-lhe muita atenção positiva! Reflita sobre o equilíbrio que tem mantido entre os momentos de atenção positiva e negativa, a que comportamentos tem dado mais atenção?
  • Há coisas que não são negociáveis nunca. Procure definir poucas regras sobretudo com as crianças mais novas (ex. cerca de 5 regras), que até podem estar expostas no frigorífico (ex. é proibido bater).
  • Reduzir o número de ordens é importante, se estiver constantemente a dar ordens a probabilidade de estas serem cumpridas e vistas como importantes é menor.
  • Dê uma ordem de cada vez (ex. “Arruma os lápis” em vez de “Arruma os lápis, apanha os papéis, veste o pijama e lava os dentes”) e tempo para cumprir, tentando não repetir a mesma ordem interminavelmente. Defina quanto tempo vai esperar (ex. conte para si até 5 a não ser que a criança esteja em risco) e quantas vezes vai repetir a ordem (ex. só vou repetir 3 vezes) e oriente fisicamente a criança se for necessário (sobretudo quando são mais pequenas).
  • O não é não. Quando diz não, a criança tem de perceber que é mesmo não, deve ser firme e consistente. É também importante haver alguma uniformidade entre os diferentes cuidadores, sobretudo nas questões mais sérias.
  • Os limites e regras devem ser colocados com uma voz e postura firmes, evitando o descontrolo. Agir mais cedo e de forma mais imediata pode ajudar a controlar a forma como o limite é imposto.
  • Os comportamentos têm consequências. O bom comportamento deve ser notado, elogiado e até reforçado. O mau comportamento ou o incumprimento também deve ter consequências que devem ser apropriadas, imediatas, naturais e lógicas (ex. “os lápis são para desenhar no papel. Não vais brincar com os lápis se estás a atirar com os lápis à parede”). A criança tem de perceber que compensa mais portar-se bem e cooperar do que portar-se mal. Que recebe mais atenção e recompensas quando se porta bem.
  • A criança está a aprender a frustrar e pode precisar de ajuda para depois encontrar soluções. Mas é preciso deixar frustrar e dar espaço à criança para lidar com a frustração.
  • Se sentir que são demasiadas coisas procure priorizá-las, não exigindo demais de si nem da criança e não entrando ao ataque logo em todas as frentes. Tente sempre perceber o que está por trás do comportamento da criança para agir de forma preventiva e responder da melhor forma.
  • Use frases na primeira pessoa (ex. “Eu fico aborrecida quando vejo esta confusão”), comunicando o que pretende ou sente e não atacando o outro.
  • Descreva o que vê: “estou a ver legos espalhados pela sala toda. Onde é que se arrumam os legos?”
  • Procure que as ordens sejam: o Realistas (ex. pedir a uma criança de 3 anos que fique quieta à mesa por mais de 30 minutos é pouco realista) o Claras e curtas (ex. “desenha no papel” em vez de “para com isso”). o Afirmativas (ex. “arruma os brinquedos se faz favor” em vez de “queres ir arrumar os brinquedos?”) o Na positiva (ex. “fala baixo” em vez de “para de gritar”) o Sem críticas ou comentários negativos (ex. “senta-te sossegado” em vez de “és sempre a mesma coisa! Senta-te sossegado.”) e dirigidas ao comportamento e não à criança (ex. “atirar os lápis à parede é feio” em vez de “és mesmo feio, a atirar os lápis à parede”) o Dê um pré-aviso (“daqui a dois minutos são horas de arrumar os legos” em vez de “arruma já os legos”). Com crianças mais velhas pode negociar (ex. “quantas páginas te faltam? Está bem, então quando acabares de ler essa página vai pôr a mesa se faz favor”). o Dê ordens quando-então (“quando acabares de pôr a mesa, então podes ir ver televisão” em vez de “desliga imediatamente a televisão e vai pôr a mesa”) o Elogie o cumprimento o Incentive as crianças a resolver problemas (ex. “só temos uma televisão, e cada uma de vocês quer ver uma coisa diferente, como podemos resolver isto?”)

Referências: Alves, R. C. (2019). A psicóloga dos miúdos. Amadora: Influência Reichlin, G. & Winkler, C. (2010). O guia de bolso dos pais. Lisboa: Bizâncio Webster-Stratton, C. (2013). Os anos incríveis. Braga: Psiquilibrios Edições

Joana Nunes Patrício

Joana Nunes Patrício

  • Licenciada em Psicologia pelo ISCTE-IUL
  • Mestre em Psicologia Social e das Organizações
  • Participação em projetos de investigação e intervenção social e comunitária na área da proteção a crianças e jovens em risco, na área da parentalidade, e na área da educação.
  • Membro da ISPCAN - International Society for the Prevention of Child Abuse and Neglect

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