Emoções dos Pais em torno da Parentalidade

Emoções dos Pais em torno da Parentalidade

Muito se fala acerca da parentalidade e daquilo que é esperado: o mito do amor incondicional materno, a necessidade de autoridade e de imposição de limites, a reorganização da vida do casal para abranger uma nova rotina familiar e as necessidades dos filhos, entre outros. No entanto, é necessário dar atenção às emoções dos pais, em especial àquelas mais difíceis de aceitar, uma vez que podem acabar por ser interpretadas, erroneamente, como sinais de uma má parentalidade.

A transição para a parentalidade é uma fase repleta de expectativas e grandes emoções, podendo ser considerada como um dos momentos mais marcantes na vida de uma pessoa. A parentalidade traz questões que passam desde o planeamento para a chegada da nova criança a ponderações sobre as mudanças no próprio estilo de vida. Uma destas grandes mudanças diz respeito à configuração da rotina: se antes procurava o equilíbrio entre o trabalho e o lazer, passa a ser uma prioridade encontrar o equilíbrio entre o trabalho e a família, tentando encontrar também espaço para o lazer, para o casal e para o próprio. Estas mudanças podem ser facilitas quando a família conta com recursos ao nível socioeconómico, bem como com uma rede de suporte social, que permita dividir as tarefas e garantir o tempo para diferentes áreas da vida pessoal. No entanto, em muitos casos, não acontece esse equilíbrio ótimo e, numa cultura que preza pela excelência em todas as áreas da vida, muitas pessoas podem acabar por se sentir sobrecarregadas, incapazes, e questionar o comprometimento com aquilo que lhes é importante. Embora exista atualmente um melhor equilíbrio de homens e mulheres no mercado de trabalho, e nos papéis de género em torno das tarefas domésticas e da parentalidade, os valores tradicionais e construções ideológicas em torno dos géneros, tornam mais provável que seja a mulher a afetar o seu trabalho em prol da maternidade ou, ainda, que sofra mais consequências ao nível psicológico, podendo culpar-se ou ser culpabilizada por passar menos tempo com os seus filhos e por delegar algumas atividades familiares a terceiros, como avós, empregadas, babysitters, ou outros.

Outra mudança significativa na vida dos pais, refere-se à vida conjugal, a qual passa a receber menos tempo de dedicação. Alguns homens reportam sentir-se excluídos, até que se configure uma nova relação familiar a três quando a criança já não for tão dependente do constante contacto com a mãe. Para além disso, as expectativas para a nova conjugalidade e para a divisão das tarefas domésticas e laborais, também poderão sofrer grandes transformações, tendo de haver uma comunicação aberta, diálogo e respeito entre o casal para que se alcance uma nova configuração harmoniosa e satisfatória para ambos.

Todas estas transformações podem trazer uma certa ambivalência e diversas questões: Como ficará o meu trabalho? Como ficará o tempo que tenho para mim mesmo/a e para meus amigos e vida social? Como ficará a nossa vida conjugal? Teremos tempo juntos? Teremos energia e disposição para mantermos uma vida dinâmica? Como serão as nossas viagens? Com quem deixarei os meus filhos quando precisar? Serei bom pai/boa mãe e o que isso quer dizer?.. O tornar-se pai e mãe pode passar também por uma grande questão: o revisitar da própria infância. Ambos pais devem refletir acerca da sua própria infância e daquilo que desejam, ou não, trazer para a educação dos seus filhos. Também, é crucial que o casal concorde num modelo parental a ser exercido por ambos, uma vez que grandes dissonâncias entre as práticas dos pais podem ser muito desorganizadoras para o desenvolvimento da criança.

Neste campo, do reviver a própria infância e procurar proporcionar uma infância feliz e saudável à criança, emergem as mais variadas emoções nos pais.

É esperado que diante da tarefa da parentalidade os pais sejam tomados de entusiamo, assim como de ansiedade e insegurança, afinal ser um bom pai ou mãe é algo que se relaciona com as mais profundas experiências e convicções, bem como, em grande medida, com a sua avaliação de valor pessoal. O que é ser um bom pai/boa mãe e porque é tão difícil encaixarmo-nos naquilo que pensamos ser o ideal? Bom, não chegamos prontos, nem tão pouco podemos iniciar como uma tábua rasa!

As diversas relações que foram vivenciadas por um indivíduo ao longo da vida, fomentam um conjunto de expectativas sobre os outros, sobre si mesmo e sobre o mundo, no entanto, as relações e experiências iniciais vividas na interação entre uma criança e seus familiares são das mais impactantes para a sua forma de ser e estar (ver o artigo “Estilos de Vinculação” no blog). A reflexão sobre a própria infância é assim crucial na parentalidade, na medida em que torna possível melhor empatizar com as emoções e necessidades do seu filho, como também compreender muito das suas próprias reações emocionais em determinadas ocasiões. Aqui cabe a questão, o que fizeram consigo que não quer repetir, o que quer fazer diferente? Ou por outro lado, o que fizeram consigo que gostaria de fazer da mesma maneira com o seu filho? O importante é não se focar apenas no comportamento em si, mas na consciência do seu significado e no próprio compromisso com o bem-estar e felicidade do seu filho. Afinal, não existe maternidade ou paternidade perfeitas ou algo como uma boa mãe/pai ou má mãe/pai de modos absolutos, mas sim, seres humanos com a difícil e bela tarefa de dar o seu melhor no sentido de educar filhos felizes e saudáveis.

Sugestões

  1. Fazer uma autoreflexão da própria infância e como esta pode ter impacto nas suas expectativas e receios diante dos seus próprios filhos.
  2. Refletir se as suas reações e formas de estar são respostas adequadas ao seu filho como ele é ou se são influenciadas por experiências passadas pessoais.
  3. Procurar ter uma posição aberta, empática e voltada para a resolução de conflitos com todos os membros da família.
  4. Evitar pensamentos extremistas e dicotómicos (bom/mau): “Somos maus pais porque pensamos que já não o conseguimos aturar” e considerar que é natural ter pensamentos ambivalentes, não fazendo de si um mau pai/mãe.
  5. Evitar direcionar todo o foco da sua vida à criança ou a sentir-se pressionado a cumprir determinadas expectativas de género (ex. o homem trabalhador e a mulher maternal e doméstica). Experimente refletir o que é importante para si e para o seu parceiro/a e como pode ser organizada a vida do casal e da família para que ambos tenham as suas necessidades e projetos satisfeitos.
  6. Investa no autocuidado para prevenir a exaustão parental, procure tirar tempo para si (mesmo que seja pouco) e para fazer coisas que lhe transmitam bem-estar.
  7. Não existe uma “forma certa” de ser pai ou mãe ou uma solução única para os desafios da parentalidade, procure a sua própria forma de ser pai ou mãe, a que melhor se ajuste ao vosso bem-estar e ao dos vossos filhos. Olhe para si com atenção e elogie-se, identifique as suas qualidades.
  8. Identifique os seus pensamentos negativos e procure avaliar a sua veracidade, confrontando-os e desconstruindo-os quando não tiverem fundamento real ou parecerem extremistas, procure pensamentos alternativos positivos (ex. “Não tenho mesmo jeito nenhum para isto!” vs “Isto não é verdade, até nos divertimos bastante quando conto histórias e brincamos”).
  9. Ao receber sugestões associadas a aspetos da sua parentalidade, procure não compreendê-las como um ataque pessoal, mas como uma oportunidade de autoreflexão, de desenvolvimento pessoal e de melhor conhecer e ligar-se aos seus familiares.
  10. Cuidar de um filho (ou mais) pode ser muito stressante, e este stress pode tornar-se um problema quando temos dificuldade em lidar com o que acontece ou perdemos o controlo. A Ordem dos Psicólogos Portugueses disponibiliza uma Checklist para refletir sobre o seu nível de stress parental: https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/checklist_stresse_parental.pdf
  11. Procure ajuda sempre que precisar, aceite e fale sobre as suas emoções, partilhe as suas experiências de modo aberto e sincero com aqueles em quem confia.

Referências:

Agulhas, R. (2020). Manual de primeiros socorros para pais e filhos. Ordem dos Psicólogos Portugueses. Ed. Ideias com História. Barham, D., Joan, E., & Vanalli, A. C. G. (2012). Trabalho e família: perspectivas teóricas e desafios atuais. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 12(1), 47-59. Bornholdt, E. A., Wagner, A., & Staudt, A. C. P. (2007). A vivência da gravidez do primeiro filho à luz da perspectiva paterna. Psicologia Clínica, 19, 75-92. Perry, P. (2019). The Book You Wish Your Parents Had Read (and Your Children Will Be Glad That You Did): THE# 1 SUNDAY TIMES BESTSELLER. Penguin UK. https://eige.europa.eu/gender-equality-index/2020/country/PT https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/ser_mae_pai_desafios_parentalidade.pdf https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/checklist_stresse_parental.pdf https://www.zerotothree.org/resources/521-managing-your-own-emotions-the-key-to-positive-effective-parenting

Ana Lúcia Senise

Ana Lúcia Senise

  • Licenciada em Psicologia (Universidade de São Paulo)
  • Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Católica Portuguesa de Lisboa)
  • Psicóloga estagiária na associação Caminhos da Infância

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