Crianças com dificuldades na alimentação

Crianças com dificuldades na alimentação

A alimentação é essencial para o ser humano e deve ser um momento prazeroso, não só pela experiência da alimentação em si, mas também, por exemplo, por ser um momento de reunião da família, um momento em que podem falar sobre o dia, sobre planos para o fim de semana, conversar, divertir-se, etc. No entanto, muitas vezes, o momento da refeição está longe de ser um momento prazeroso. Quando uma criança se recusa constantemente a comer, o momento da refeição pode ser um momento de grande tensão e mal-estar para toda a família.

Porque será que a criança não come? O que fazer?

Como em todas as outras questões não existe uma resposta única e simples. Muitas vezes, o que pode ocorrer é o facto de a criança ter muita sensibilidade ao nível do paladar, olfato e toque, ficando incomodada com comidas novas e com diferentes consistências; outras vezes, pode dar-se o inverso, uma vez que uma criança com pouca sensibilidade poderá achar que comer é uma tarefa aborrecida. Assim, a resposta variará conforme o perfil da criança. No caso da primeira, será preciso acomodar a consistência da comida àquilo que ela está mais habituada, realizando mudanças graduais, ao passo que, para a criança com níveis mais baixos de sensibilidade, poderá ser necessário acrescentar estímulos para tornar a alimentação mais interessante. Criar pratos diferentes, coloridos e apelativos (montar um sorriso com os alimentos, fazer coqueiros com a cenoura, entre outros) pode ser uma boa forma de a envolver, assim como chamá-la para ver como se cozinha. Também pode ser interessante realizar uma atividade em que a criança tenha de adivinhar o que será servido através do cheiro, podendo assim melhor explorar os seus sentidos. Outra ideia interessante para tornar os momentos de refeição mais prazerosos é realizar um jantar temático, pode ser uma vez por mês, semanal, enfim, a combinar conforme seja possível para a família. Pode ser um jantar à luz de velas, um jantar em que peluches sejam convidados, um jantar de piratas ou do starwars, etc. Esta é uma oportunidade para ser criativo e realmente tornar os momentos de alimentação em experiências prazerosas para as crianças.

Para além do fator da sensibilidade diferenciada das crianças, há alguns outros fatores que podem dificultar a alimentação. Um destes é a simples falta de fome! A criança pode não querer comer se estiver muito cheia de líquidos que andou a ingerir o dia todo ou por causa do tamanho do prato; se a porção for pequena, sentirá maior controlo da situação, caso contrário, poderá sentir-se aflita e obrigada a comer aquela grande quantidade. É melhor iniciar com pequenas porções e ir aumentando do que servir tudo à primeira.

Na apresentação de pratos novos ou indesejados também podem ter resistências. Para incentivar a criança podem fazer um acordo, ex. “Eu sei que não queres muito mais, mas precisas de comer para crescer grande e forte, que tal só mais 5 colheres e depois dou-te aquela fruta que comprei para ti”. Nesta situação, a criança também irá sentir-se compreendida e validada. No entanto, mesmo com negociação e criatividade, há certos alimentos que podem ser fortemente rejeitados pelas crianças. Como lidar então com o picky eating? Ou o terror dos verdes? Primeiramente, é importante não ceder, pois, na preocupação de que a criança coma, pode-se acabar por lhe dar somente aquilo que ela gosta, mas isto só aumentará a sua seletividade e rigidez na alimentação. Independentemente da dificuldade, é importante ampliar o paladar da criança e o seu prazer por descobrir coisas novas. É aqui preferível, realizar pratos que a criança conhece e gosta e adicionar aquilo que ela não aprecia, ou elementos novos. É importante também compreender e respeitar a criança, pois certos alimentos podem realmente trazer-lhe enjoo e mal-estar, por isso leve em consideração o paladar da criança na hora de preparar as refeições. Por exemplo, ao invés de servir courgette refogada ou couve-flor no vapor, experimente servir courgette misturada com purê de batatas e queijo ou couve-flor panada. Quando o seu filho recusa um alimento é importante explicar-lhe que pode não ser o alimento que é mau, mas sim a forma como está preparado. Pode dar exemplos “a mãe não gosta de ovo cozido, mas adora comer ovo mexido”, ou “a mãe não gosta de beringela, mas na lasanha fica ótimo”.

É crucial ser um aliado do seu filho na descoberta de uma alimentação saudável e prazerosa. Tentar enganá-lo e introduzir alimentos que ele não gosta disfarçados na comida poderá ser pior, ele pode descobrir e sentir-se traído e rejeitar ainda mais certos alimentos e o momento da refeição.

Quanto à inserção de alimentos novos, é sempre bom incentivar que experimentem, dentro de um clima de leveza e favorecendo a exploração dos sentidos. Por exemplo, pode ser interessante lembrar à criança que um dia teve de provar pizza ou nuggets para ver que era bom. Dentro de um prato equilibrado, que tenha elementos que a criança goste e outros que sejam novos, se ela selecionar apenas aquilo que deseja, é importante deixar o prato igual, não acrescentando o que ela gosta. Às vezes é preferível que a criança saia da mesa com um pouco mais de fome e depois estar aberta a experimentar coisas novas numa próxima refeição do que ter os seus desejos seletos satisfeitos e assim não aumentar o seu repertório alimentar. É crucial evitar que se desenvolva um conflito em torno da alimentação. Por fim, cada pequena vitória de introdução de novos alimentos deve ser comemorada.

É importante tentar compreender a origem da questão alimentar da criança. Vários fatores podem ter influência na seletividade alimentar: a relação com a mãe, como foi a gravidez, como foi o parto, como foi a amamentação, a introdução de alimentação complementar, se ela está a realizar o desfralde, se teve um irmão ou alguma mudança significativa na vida, entre outros. A recusa alimentar, muitas vezes pode ser uma forma indireta, simbólica, da criança exercer algum controlo sobre a sua vida, afinal, ela controla o que vai comer ou não. Quando a questão se centra mais na tentativa de controlo, pode ser útil dar opções à criança, tendo ela participação na escolha e preparação do cardápio semanal, a servir-se, ou ainda, passar a dar-lhe mais liberdade e oportunidades de escolha em outras esferas da vida para que, gradualmente, o peso da alimentação e a visão desta como algo imposto acabem por desaparecer. A criança também pode perder o desejo de comer e explorar os seus sentidos se não tiver a liberdade de tocar, sujar e lambuzar-se. Poderá ficar mais inibida, com receio que se zanguem com ela. Para além disso, a criança aprende muito por imitação e os próprios pais devem ter uma alimentação balanceada, e comer ao mesmo tempo que a criança, servindo assim de exemplo e incentivo para ela.

Deixo aqui, algumas dicas resumidas:

  • Transforme os momentos da alimentação em momentos prazerosos, apreciados e esperados pelas crianças;
  • Sirva uma variedade de alimentos e vá ampliando o repertório alimentar da criança, respeitando simultaneamente as suas preferências;
  • Reduza a ingestão de líquidos e petiscos ao longo do dia;
  • Permita a participação da criança na preparação e na escolha do cardápio semanal, ensinando conceitos básicos de nutrição e falando na roda dos alimentos;
  • Não compre muitas lutas com as crianças quando não quiserem comer algo. É melhor saírem da mesa com um pouco de fome e tentarem experimentar para a próxima vez;
  • Mantenha uma rotina regular das horas de refeição e regras para a hora da alimentação (ex. sentar-se à mesa ao comer, não desperdiçar, pedir autorização para sair da mesa, ajudar a levantar os pratos…); A falta de regras nos momentos de alimentação pode levar mais facilmente a criança a distrair-se, para além de que, com horários desregrados de alimentação, também poderão ocorrer alterações nos padrões da criança (não só de alimentação, mas também de sono);
  • Ensine o seu filho a “ouvir o seu corpo”, a perceber quando sente fome, e regulando-se também a partir dos seus próprios ritmos;
  • Aceite o facto de que, muitas vezes, não será possível fazer a criança comer. Há dias melhores e piores e as alterações no apetite e paladar da criança fazem parte do desenvolvimento normal!
  • Procure ajuda especializada caso a criança não esteja a progredir e tenha dificuldades na alimentação em diferentes contextos. É importante estar atento e intervir o mais cedo possível para prevenir e impedir o agravamento destas dificuldades. Fale com o médico ou pediatra do seu filho. A Unidade da Primeira Infância (no Hospital Dona Estefânia) pode ser uma referência a contactar caso seja necessário uma avaliação e intervenção neste âmbito.

Texto adaptado de Reichlin G. & Winkler, C. (2010). O Guia de Bolso dos Pais.

Ana Lúcia Senise

Ana Lúcia Senise

  • Licenciada em Psicologia (Universidade de São Paulo)
  • Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Católica Portuguesa de Lisboa)
  • Psicóloga estagiária na associação Caminhos da Infância

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